Filosofando em Oxford
- Melissa Castello

- 5 de jul. de 2023
- 4 min de leitura

Em 2006 eu cheguei em Oxford, para cursar o programa de Mestrado em Direito deles, como bolsista do Governo Britânico. A estrutura e os recursos pedagógicos que eu encontrei eram absolutamente distintos de tudo o que eu já tinha visto, e, naquela época, eu já tinha passado por três grandes universidades: minha alma mater UFRGS, a Universidade do Texas (em que fiz um semestre da Graduação), e a Sorbonne (onde fui aluna ouvinte).
Eu teria milhares de pequenas nuances para abordar, mas hoje vou falar só de uma: a disciplina de Jurisprudence, que é como eles chamam Filosofia do Direito por lá.
Jurisprudence é uma das nove (isso mesmo, SÓ NOVE!) disciplinas obrigatórias dos alunos de graduação em direito na Universidade de Oxford. Como aluna do mestrado, eu tinha direito a fazer uma disciplina da graduação, e, apesar de não ser muito filosófica, não tive dúvidas ao escolher Jurisprudence (mentira, eu tive muitas dúvidas sim, pois dava para fazer Tributário e Ambiental – ambas eletivas na graduação –, e eu gosto muito mais dessas matérias...). Acabei indo para Jurisprudence porque é A DISCIPLINA em Oxford. Tipo: Hart, Dworkin, Finnis...
E foi a melhor escolha que fiz.
Não que tenha sido fácil. Teve muito choro envolvido, noites sem dormir e arrependimentos. Mas foi por causa da Jurisprudence que pude entender a experiência de um aluno de graduação em Oxford, uma aula de pedagogia que levo para a vida.
O aluno de graduação em direito tem três anos, com dedicação exclusiva, para fazer as nove disciplinas obrigatórias e mais algumas eletivas. Todas as disciplinas têm um ano de duração, mas isso não quer dizer que os alunos têm um ano de longas aulas expositivas semanais com o mesmo professor, muito pelo contrário: as disciplinas não são de um professor, mas de uma equipe.
Na minha época, os professores eram John Finnis, John Gardner, Julie Dickson, Maris Köpcke Tinturé, Grant Lamond, Timothy Endicott, Pavlos Eleftheriadis e Dori Kimel. A disciplina era dividida em seminários e tutorials.
Os seminários são muito parecidos com nossas aulas expositivas: anfiteatro enorme, uns 70 alunos, ouvindo uma aula expositiva de um professor. A grande diferença para a nossa aula de graduação é que os encontros não são necessariamente semanais. O seminário do Finnis, por exemplo, envolveu dois encontros semanais, ao longo de três semanas. Os outros davam aulas espalhadas ao longo do ano, por tópico. E o Dworkin foi lá e deu uma aula (siiimmm!!!! Eu tive aula com o Dworkin, podem começar a morrer de inveja. Hehehe).
Não tinha controle de presença, e os alunos não davam muita bola para os seminários. A maioria nem aparecia nesses encontros, porque não queria “perder tempo”.
Como assim? Ter aula com os maiores filósofos do direito da atualidade nunca pode ser perda de tempo, né?
Pois então..., os alunos de graduação estão sempre assoberbados com os tutorials, e priorizam o tutorial ao seminário.
Mas o que é o tutorial?
O tutorial é um encontro particular entre o aluno e o tutor, e esse é o coração da pedagogia de Oxford. O tutor é uma espécie de professor substituto das nossas Universidades: aquele jovem-doutor, que quer virar Professor, mas ainda não tem bagagem para isso. O tutor é o grande responsável pela formação de cada aluno, porque ele exige que o aluno produza, e não simplesmente receba conteúdo.
Tipicamente, o tutor seleciona um tópico (“positivismo em Kelsen”, por exemplo), indica uma bibliografia (um ou dois capítulos da Teoria Pura + alguma biblio complementar), delimita três ou quatro perguntas, e manda para o aluno fazer um essay. O essay é um trabalhinho de 4-5 folhas (no máximo, não tem tamanho mínimo), e o aluno pode responder pontualmente às perguntas ou fazer um textinho completo, em que aborde todos os pontos perguntados. O prazo de entrega geralmente é de uma semana.
E não vale nota.
Mas... então, porque os alunos fazem? Não rola um copia e cola dos colegas?
Os alunos fazem os essays porque eles terão um encontro particular com o tutor, de uma hora de duração, para debater o trabalhinho. E é aí que entra o choro: o papel do tutor é desmanchar o que o aluno escreveu, apontar todas as fragilidades do seu raciocínio, para garantir o aprimoramento do trabalho. É duro, mas é importante.
Em Filosofia do Direito, isso é especialmente rico, pois todos sabemos que não existe uma única resposta correta, e olhar o problema sob outro enfoque faz a gente crescer.
Em Filosofia do Direito, isso é especialmente rico, pois todos sabemos que não existe uma única resposta correta, e olhar o problema sob outro enfoque faz a gente crescer.
Depois que a gente vence todos os tutorials (fui revisar aqui, eu fiz nove ao longo do ano) e frequenta os seminários aos quais a gente consegue ir, é chegada a hora dos exames finais: o único momento de avaliação é uma prova feita ao final do ano letivo, com pompas e circunstâncias. Os alunos vão (de toga) para o Examinations Room (tem um prédio específico para as provas, na Universidade), e respondem a uma prova de três horas de duração. Essa sou eu, saindo acabada de uma das minhas provas:

Tipicamente, a prova tem umas 10 questões dissertativas, elaboradas pela equipe de professores responsáveis, e o aluno escolhe 3 para responder. Deve dissertar sobre os temas escolhidos, sem nenhuma consulta. Quem tira mais de 70% (isso mesmo, nota 7,0!) merece uma Distinction.
Notem que o tutor não tem nenhuma ingerência na elaboração da prova... Se ele não preparou bem o aluno, deu ruim 🙁
Diferente, né?
Mas antes de dizer que isso não tem como dar certo, lembrem que a Universidade de Oxford tem a 2ª melhor Escola de Direito do mundo, segundo o topuniversities.com...



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